Em 1989, o meio cultural cristão em Brasília estava em plena efervescência e de alguma maneira eu sempre estava envolvido em tudo. Participei como fotógrafo da 2ª Exposição Cristã de Artes, no Auditório do Conjunto Cultural da Caixa Econômica Federal, e eu e a Ranúzia sempre éramos convidados para participar das mostras e e show nos mais variados inusitados lugares.

No ano seguinte, o governo do Distrito Federal criou a Rádio Cultura FM e o então Dep. Peniel Pacheco solicitou ao governador um espaço para que houvesse um programa com temática cristã. Solicitação acatada, o Peniel convidou o conhecido locutor Jairo Ribeiro e o Robertinho, que na época era líder do grupo musical Cântaro, para que produzissem esse programa. Numa conversa informal o Robertinho me convidou pra eu ir ver como seria o programa e eu fui no primeiro, e fiquei fazendo isso por 11 anos como seu produtor musical. Graças à persistência do brilhante locutor Jairo Ribeiro o programa ficou no ar por 13 anos.

Um programa FM tocando músicas cristãs era algo inusitado, apenas no RJ e SP existia algo parecido mas mesmo assim em rádios pertencentes a evangélicos. Em rádio “secular”, até onde eu saiba, não existia outro no país. Era um programa semanal, aos sábados, às 07h00, e apesar do horário o programa tinha audiência maior que qualquer outro da Rádio Cultura. Você tem ideia do que é acordar todo sábado às 07h00 durante 11 anos pra tocar música? Passei a receber discos das gravadoras nacionais e algumas internacionais, e comecei a adquirir discos nos mais variados estilos musicais de várias partes do mundo. Sempre havia uma tensão com a direção da rádio porque os tradicionais ouvintes da rádio não concebiam que uma “rádio cultural” pudesse tocar música cristã. Inúmeras vezes ouvintes ligavam apenas pra nos distratar (xingar, bater o telefone na cara, coisas do gênero). Sempre os atendemos com edução e esforço pra disfarçar a tristeza por suas reações. Aquilo era estranho pra mim. Enquanto me viam como um ator ou poeta na cidade nada havia de errado, mas quando passei a me apresentar como produtor musical cristão soava como se eu fosse um leproso ou algo parecido. Era triste e tenso. Sempre que mudava a direção da rádio eu e o Jairo sabíamos qual seria a primeira decisão da nova gestão: acabar com o Cultura Gospel. Mas íamos lá, com educação, mostrávamos uma organização e profissionalismo acima da média (tínhamos arquivos com todos os programas, números de chamados, localização geográfica e faixa etária destes, pedidos musicais, etc.) e deixávamos claro que aquele não era um espaço para proselitismos. Interessante o que faz o preconceito: essas pessoas nos julgavam por um rótulo e ficavam surpresas por saber que tocávamos Lionel Richie, Stevie Wonder, Take 6, Ray Charles e tantos outros famosos que eram executados em nossa programação. Também se surpreendiam quando ouviam o que havia de melhor na nossa música (estou falando de Banda Raízes, Livre Arbítrio, Estilo de Vida, Cântaro, Quico Fagundes, João Alexandre, Milad, Rodrigo Bueno, Luz em Canto, Valter Junior e tantos outros). Foi um baita aprendizado e eu e o Jairo tínhamos implícita a condição de fazer o programa sem qualquer recurso externo, pois só assim teríamos liberdade para tocar o que julgávamos ser mais adequado.

Com o passar do tempo somaram-se ao time o também conhecido locutor Dilson Santafé e um menino, Calebe Pacheco, sobrinho do Peniel Pacheco, que por influência do programa anos depois veio a se tornar em um conhecido locutor.

O Cultura Gospel dava suporte para as mais diversas atividades artísticas cristãs da cidade. Lembro-me que em 1992 aconteceu uma tragédia e o nordeste do país ficou debaixo d’água e do nada tivemos uma ideia inusitada pra ajudar aos necessitados: 24 horas de música no Gran Circo Lar e com um ingresso até então desconhecido para a época “1 kg de alimento não perecível”. Quico Fagundes, Alfredo de Jesus, Sergio Seiffert e eu organizamos o evento “SOS – Inundações” para angariar donativos. Juntamos no mesmo espaço, no extinto Gran Circo Lar, as principais bandas não evangélicas da cidade (Liga Tripa, Os Cachorros das cachorras, Paulo André, etc.) com as já tradicionais e conhecidos grupos cristãos. As TV Manchete e Nacional apoiaram divulgando e informando onde os donativos poderiam ser entregues. A Polícia Militar disponibilizou carros para arrecadar donativos nas ruas da cidade e o Corpo de Bombeiro do DF se encarregou de atender por telefone pessoas que não iriam ao show mas queiram doar. O Banco de Brasília patrocinou as despesas (entenda-se custear a sonorização apenas) e disponibilizou uma conta corrente para receber depósitos. Ufa, deu um trabalho de louco, mas até hoje me lembro com gratidão e emoção sobre como quatro jovens “com uma idéia na cabeça e um Deus no coração” mobilizaram parte significativa da cidade com o fim de ajudar ao próximo. Nos sentimos como o jovem do evangelho (João 6:9) quando o esforço disto tudo resultou em quase 15 toneladas de alimentos e roupas, e significativa quantia financeira depositada em conta. Pena que nem tudo foi tão agradável. O Sérgio Seiffert saiu pra colar cartazes nos pontos de ônibus e roubaram o carro dele.

Com todas essas coisas acontecendo é natural que as igrejas começassem a se expor mais para a comunidade. Quando digo que minha maior escola de comunicação foi uma igreja as pessoas me olhas ressabiadas. Mas é a mais pura verdade. Em 2000 eu era membro da Igreja Presbiteriana de Brasília e o pastor dos Jovens, Carlinhos Veiga, me fez um convite pra que eu fosse o “Ministro de Comunicação” (calma, ministrar também significa ensinar) e organizasse em nossa igreja uma área de comunicação, algo que hoje chamaríamos de uma mini agência, mas usando os membros da comunidade. Além disso, a igreja havia recebido uma proposta para criar um programa de TV e não havia quem pudesse tocar aquele projeto. Como assim? Fazer um programa de TV? Eu já havia entrado em estúdios, mas apenas para dar entrevistas. Fazer um programa era um desafio sem igual e nem de longe o que havia aprendido na faculdade era suficiente pra um projeto dessa envergadura. Mas porque não? Eu teria que treinar e ensinar, mas primeiro precisava aprender. Ainda não existia nessa época o Youtube e seus maravilhosos tutoriais. O segredo era ler livros, perguntar pra algumas pessoas que já tinham tido experiências e, sobretudo, aprender enquanto produzia. Tive que estudar desde noções de designer para que aprendessem a diagramar até como dirigir um programa de TV. Nunca aprendi tanto em minha vida. Passados alguns meses o fruto desse esforço já era visível. Tínhamos um grande grupo de jovens envolvidos com as atividades de comunicação, criamos os programas de TV “Janela para a Vida”, “i9Jovem”, o programa de rádio “logo de manhã” e a Rádio IPBsb Online (uma rádio funcionando integralmente na internet). Falando assim até parece que todo mérito foi meu, mas não foi. O Janela para a Vida não teria acontecido sem a presença de Neander Coelho e Eline Carvalho. E pro i9Jovem eu só dei o pontapé inicial. Meu filho Matheus Inácio foi quem arrebanhou a garotada e com eles conduziu todo programa. Reconheço que os líderes da Igreja Presbiteriana de Brasília eram visionários e até hoje me recordo com emoção e gratidão toda confiança que em mim depositaram. Era incrível perceber como haviam talentos natos pra trabalhar com comunicação e que sequer imaginavam possuir esse talento. Lembro-me que em uma oficina que dei sobre como fotografar apareceu um senhor aposentado, conhecido como “seu Furtuoso”. Durante anos ele havia sido Chefe de Cozinha de vários Presidentes e agora estava lá com uma máquina bem simples, queria saber como tirar fotos. Os anos se sucederam, a área de comunicação como a estruturei obviamente não é mais a mesma, passei a frequentar outra igreja e perdi muito o contato com os irmãos de lá, mas sei que de todos aqueles que treinei esse senhor até hoje é informalmente o fotografo oficial da igreja. Ano sobre ano a história dessa comunidade tem sido documentada não pelo mais famoso dos fotógrafos da cidade, mas estou certo que isso tem sido feito por um que está dentre os mais fieis.

No momento que escrevo isto estou na mesma labuta, acabando de estruturar a área de comunicação da igreja onde frequento (Igreja Presbiteriana Redenção). Já temos canal youtube, nos comunicamos pelas principais mídias sociais, há um grupo grande de projecionistas e outro de mesários de som e por fim tenho estado bem envolvido a turma roteiristas. Isso mesmo, queremos contar as histórias de Deus por meio de Podcasts. Dessa vez tudo tem mais complexidade porque o mundo mudou muito mas também as possibilidades de comunicação são descomunais. Ensinar é algo que me fascina e não poderia ser diferente. Quando ouço algum elogio quanto às minhas produções nunca deixo de lembrar de tantos, muitos mesmo, professores que gastaram seu tempo para me instruir. Retransmitir o que aprendi com eles é o mínimo que em retribuição os devo.