Embora nunca encarasse o que fazer como arte, recordo-me que desde criança sempre fui muito inventivo em tudo que fazia. Quando vi o filme “Como uma estrela no céu” quase desidratei de tanto chorar, era eu naquele menino inseguro que não acertava as questões de matemática porque os números viravam espaçonave, monstros, etc. Na verdade, não sei ao certo se a arte foi meu porto seguro ou minha fuga, mas sei que quando meu pai faleceu fomos todos morar no Rio de Janeiro e o choque cultural foi cruel. Bruscamente deixei de ser João Inácio, Joãozinho, para pejorativamente ser chamado de “Pernambuco”. Era estranho, não me envergonhava por ser pernambucano, mas senti na pele todo preconceito sócio-cultural e como isso tinha a capacidade de ferir e moldar minha personalidade. Se quando criança já era tímido, fiquei pior. Porém, por mais duro que seja, como o que não mata engorda, foi assim que surgiu a necessidade de escrever para não explodir. Mesmo em Bonito nunca fui dos que estavam na linha de frente nas atividades da escola. Pelo contrário, cheguei ao ponto de ser chamado de “Quarenta e quatro” porque tinha outros 43 apelidos. Sei que cada criança tem seus meios de reagir em situações do que hoje chamam de bullying. No meu caso, isso sempre me jogava para baixo e quando lembro dos apelidos de infância as emoções não são as melhores. Bullying é coisa séria!
Mais uma vez Deus mostrou como pode transformar o mal em bem. Como aconteceu quando criança, e até agora ainda tem sido assim, do nada surgiu um professor que trouxe luz em ao meu caos adolescente. Não me recordo exatamente o dia, mas o Prof. Luiz Sebastião, professor de português, leu alguma coisa que escrevi numa redação (ou algo parecido) e não apenas viu valor como me incentivou para que continuasse. Ele era um poeta dos melhores, muito respeitado dentro da escola, e não se cansava em corrigir e sugerir alterações nos meus primeiros ensaios. O prof. Luiz me introduziu no seu mundo poético e comecei a me maravilhar com as poesias dele e também de outros famosos poetas como Vinicius de Moraes, Ferreira Goulart e Manuel Bandeira. Interessante, eu lia os poemas desses grandes escritores e percebia claramente que o que nutria as poesias deles era o mesmo que alimentava as minhas: a dor, o sofrimento, as lágrimas. Hoje compreendo, mas na época não fazia muito sentido a razão o passar por tantos momentos ruins. Meses depois, em 1975, para orgulho do mestre, me classifiquei em segundo lugar no “1o Concurso Mace de Poesias”, na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
Ainda fruto do incentivo e trabalho desse honroso mestre, em 1979, nasceu meu primeiro livro de poesias “As duas Faces da Vida”. Logo depois, já fazendo o curso técnico de química, juntamente com amigo José Francisco Monteiro, veio o livro de ficção-científica “Ao Sabor do Infinito”. Os livros eram materializados no inusitado processo conhecido como “cachacinha” (cópias feitas em um velho mimeógrafo à álcool). Minha irmã Maria Inácio (Kinha), quem mais me incentivava, digitava cuidadosamente os meus textos e, tadinha, fazia um a um dos livretos, artesanalmente, colando folha por folha, para que os vendesse aos colegas de escolas. Em 1981, escrevi outro livro com meus poemas, “O Poder da Criação”, anos depois relançado sob o título “Pivete”. Assim, através da arte, da poesia, o preconceito foi vencido e deixei de ser “Pernambuco” para ser conhecido como Netinho, um pseudônimo que assumi durante muitos anos.



Já morando em Brasília, em 1983, conheci os poetas Anand Rao, Zunga e Estela Rodopoulos, e juntos criamos o “I encontro de Poetas Independentes”. Na sequência, em 1984, participei de um concurso da Editora Crisalis e fui um dos escolhidos para a mostra “Escritores Brasileiros – Volume II”. Nos dias de desilusão na juventude, influenciado por Manuel Bandeira que havia criado Pasárgada, queria fugir da realidade e morar junto com o poeta e ser amigo do rei, mas não deu certo. Não fui para Pasárgada, mas naqueles dias sombrios criei um lugar imaginário chamado Niara. Anos depois, em 1999, escrevi um romance infantojuvenil baseado nesse lugar (Niara – um juiz na tribo das águias). Esse livro me deu uma grande alegria.
Um amigo especial, Valter Junior, que é cego, solicitou o arquivo original do livro para que seu “computador pudesse o ler para ele” (Isso para mim era uma novidade. Não sabia que haviam programas que liam livros para cegos). Coincidentemente, um conhecido locutor paulista, Paulo Cesar Bonaldo, havia enviado para o Valter um e-mail se dispondo a ler textos e poesias com o louvável fim de ajudar os cegos. O Valter deliberadamente enviou meu livro e ele começou a gravar os respectivos áudios. Valter mandou esses audios para mim, gostei do que ouvi, e comecei a fazer a sonoplastia. Todo esse esforço resultou num surpreendente audiolivro. Hoje isso é comum, mas na época era uma grande novidade e permitiu o acesso a muitos deficientes que não tinham acesso à Internet. Os depoimentos que eu e Valter recebemos foram emocionantes. A continuação do livro está bem adiantada e será chamada “À procura de Imago”. No ano seguinte, por iniciativa de colegas de faculdade, também participei da coletânea de poesias “Pequenos Delírios”. As poesias aos poucos foram ficando mais raras, mas nunca o olhar poético sobre tudo que me cerca. Com o iniciar dos estudos de cinema aos poucos toda essa experiência resultou numa das atividades que muito gosto de fazer… escrever roteiros cinematográficos. Tenho muitos longas e curtas devidamente registrados aguardando o devido tempo para nascerem nas telas.
Escrever é uma dádiva. Sou grato a Deus por esse dom e por ter usado tanta gente, em especial meu Prof. Luiz Sebastião, para que hoje tenha um certo domínio sobre essa técnica. Nas mostras dos meus livros aqui expostos há dois que não fora escritos por mim: Canções de Santo Amaro e Isabel. O primeiro é uma coletânea dos poemas do meu falecido sogro e o segundo é a publicação do diário da minha sogra em seus últimos dias, quando estava acometida por um terrível câncer.
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