Pivete – 2003
Ta aí. O Inácio entre a sátira e a ironia, tentando passar a limpo sua vida ainda que jovem – e a vida dos que já pode conhecer. É sempre bom ver um jovem questionando através da poesia – seu espaço de SER/VER, esperança e desespero. Acredito que muitas das poesias estão nascendo/sangrando, graças ao tempo de silêncio/tortura, que os jovens sobreviveram. Vale a pena saber o que se passa na vida dos jovens poetas, que arriscam uma profecia nesses tempos sem presente. Vai em frente, meu amigo, pois como disse Drummond:
“se você dançasse
a valsa vienense”
Não há dança, não há valsa, não há Viena.
Luis Sebastião
Poeta
Observação: Inicialmente foi publicado como “O Poder da Criação”, mas depois reeditado como “Pivete”. O fato é que eu já havia publicado os livros “As duas faces da vida” e “O poder da criação”. Na sequência participei de um concurso de poesia e fui classificado com a poesia, Pivete. Como já tinha uma boa produção e havia a demanda, juntei tudo em um só livro, chamando-o pelo nome da poesia mais conhecida.

Analogia entre dois animais
ANALOGIA ENTRE DOIS ANIMAIS
Netinho
Eu
e meu cachorro,
Rodolfo.
Levamos a mesma vida,
Roemos o mesmo osso,
E vivemos presos
Por uma corrente.
A única diferença
É que ele
Se acostumou
A isso.
Coisas da corte
COISAS DA CORTE
Netinho
É chato ver
O claro do clero
Ser empurrado prá todos
Como sendo escuro.
No prato do gato
Rato, pato,
Ratoeira, toupeira.
Fugindo
Do claro do clero
Querendo ver tudo escuro.
Na cara do rato
Gesto de força.
Faz força
Faz touca (mas não dorme)
Faz pouca (careta).
Deus,
Tu que és claro:
Deixe tudo claro
No escuro do clero
No prato do gato
E na força
Prá não ir pra forca.
O mestre é você
O MESTRE É VOCÊ
Netinho
O mestre morreu!
Não sabe-se
se foi de solidão
Ou se foi um
Crime político.
Puseram-no nú,
Na cruz,
Como se estivesse
A pagar pecados.
Do seu corpo
Fluiu sua alma
Para alegria de uns
E tristeza de outros.
Esquartejaram todo seu corpo!
Viva! Viva!
… viva?
Viva simpatia
Era ali esquartejada
E, do coração humano,
Só sobrou a carne.
O mestre morreu!
Em cada barba,
Com novas idéias,
Vejo um novo corpo.
Como se fosse um Deus-vivo
Que não vive prá ser Deus.
Das guerras entre olhos
(e entre bombas)
sobrará apenas a força do sonho
a cruz de qualquer sina.
E, no tocar de um belo sino,
Verei de novo
Aquelas bombas
Dando-me alegria
Dando-me liberdade.
O mestre está em nós.
“Me libertas, que serás também!!
Pedrinho
PEDRINHO
Netinho
Ao nascer
Sua mãe já estava grávida.
Desde pequeno,
Sempre puxou aos seus pais;
Tinha a barriga grande
Como a da mãe
E a cara amarela
Como a do seu pai.
Foi feito pela
Inocência e necessidade
Para trabalhar
No campo.
Aos dezenove anos
Pedro d´alguma coisa
Casou-se com
Maria d´alguma coisa.
E, prá não fugir a regra,
Veio passar a lua de mel
Na cidade grande.
Hoje, tal qual seus pais,
Também fez treze
Filhos desempregados.
Do norte, de recordação,
Tem os calos nas mãos
E a barriga grande.
A fome latente,
O filho pivete,
Crescendo dia a dia
Na mesma proporção
Que cresce a mordomia
Para os grandes homens,
Levou Pedrinho
A tentar uma vida melhor
Nas esquinas do tempo
Usando uma máquina
Como bandeira.
E hoje, dele lembro-me
Quando vejo o Hélio Costa,
No fantástico show da vida
Falando diretamente dos EUA,
Dizendo:
– Amigos, olhem para o alto e vejam:
É um disco voador!
Não consigo!
Caio na realidade
E, andando, olhando prá baixo,
Vejo apenas mais um Pedrinho
Num buraco de metrô.