Niara – Um juiz na tribo das águias – 2005
Conheci João Inácio, em 1984, quando ele dirigia uma peça de teatro sobre casamento e divórcio. Desde então tem sido um amigo mais que irmão, amizade rara. João Inácio tem um bocado de estrada. Já sonhou muita coisa que virou coisa que se pega. Já foi pipoqueiro; já foi fotógrafo; já fez teatro; já foi técnico em Química. Parou de sonhar outros sonhos quando conheceu o sonho-dos-sonhos. Hoje, o que quer que faça, o faz sonhando Niara.
A estória que se segue brotou no coração há muitos anos. Niara tinha poucos contornos de realidade, mas era profecia do que havia de acontecer na vida de João Inácio. Foi preciso esperar, sofrer e estudar muito para entender um pouco mais desse sonho de Niara. Niara é como sonhar acordado: dá quase para ver, dá quase para pegar. Na verdade, quanto mais se sonha com Niara, mais real ela fica. Deixa o terreno dos sonhos, vira ação no dia-a-dia. E é só assim que ela vira algo mais do que um sonho: Niara só dá para pegar se for além do discurso, além das promessas. E aqui está, uma estória no terreno dos sonhos, do imaginário. Mas fala de questionamentos que eu e você temos hoje, cotidianamente. Leia a estória, sonhe o sonho. Trilhe você também a estrada do Povo do Caminho.
Cláudio Cruz, Brasília, 15 de novembro de 1998
Prefácio do livro Niara
Prefácio do livro Niara
Sonhar é uma coisa que me persegue desde pequeno. A cidade onde nasci, seus significados, pessoas e mitos, afloram nos sonhos poéticos que hoje faço. Foi lá onde aprendi que Bonito não é apenas uma expressão do falar. Onde olhei em todas as direções da cidade e vi morros que, como atalaias, cuidavam de cada casa: Um vulcão que transbordava lavas de sonhos no coração de uma gente tão bela. Abel, meu “irmão-pai”, soldado com graduação de general, na fortaleza da minha vida. “Seu Bil”, músico de uma pequena banda, que tinha uma orquestra no peito. José Telegrafista, meu professor de geografia, ciência, introdução a cinema, poesia, enfim, de tudo que fustiga os sonhos. Graças a Deus, ele ainda insiste em viver nas minhas memórias e atitudes. Todas essas referências sobre minha cidade refletem sonhos que eu não sabia que tinha.
Para mim, os sonhos têm sido a porta por onde meus desejos vão embora para virar coisa que a gente pega. Contudo, também existem os sonhos que não pedem licença para serem sonhados. Passam a existir, deliberadamente, engravidando-nos com novos sonhos. Filhos, foi assim. Matheus e Lucas, dois sonhos que não pedi para sonhar, mas que me têm motivado a, graciosamente, largar muitos dos meus sonhos, para que eles também tenham os seus.
Durante bom tempo em minha vida, assim como desejou Manuel Bandeira, tive o anseio de “ir embora para Passárgada”. Entretanto, sonho maior do que qualquer um com que já pude sonhar e que jamais desejei tê-lo, virou o meu Sonho-dos-Sonhos. Essa história está simbolizada na vida de um povo que, assim como eu, caminha sonhando, rumo a um lugar que preferi chamar de Niara. O lugar onde não mais haverá sofrimento ou tristeza. Onde todos os que sonham caminharão em um caminho árduo, até um dia encontrarem-se consigo mesmos, com os outros e plenamente com Deus.
João Inácio
Capítulo 3
Capítulo 3
– Sem essa de nobre, Iscolapius; não fale assim! Me dá uma sensação estranha, ruim. Você sabe, aqui nós cuidamos uns dos outros. Ele não ficaria sozinho, é certo que ele tem irmãos, mas preferi também participar dando minha contribuição direta. Ademais, tenho um bom pressentimento de que ele será bom para cuidar dos animais. Poderá, até, dividir tarefas com você.
– O senhor não está satisfeito com meu trabalho?
– Estou, claro que estou!
Tem nome? – apontando com o queixo, com total ar de desdém.
Ele nasceu da Florência, você ficou sabendo do que aconteceu? Ele se chama Liash – arrumando-o ao colo, meio desajeitado.
Se o senhor está satisfeito com meu trabalho, para que o senhor pegou isso para criar?
Não, Iscolapius, a pergunta correta não é “para que” e, sim, “por quê”?
Então, por que o senhor fez isso?
Por que você existe? Você já me perguntou sobre isto e eu lhe respondi. Você foi criado, e também Liash, porque a criação é o fruto do amor. Quem ama faz coisas boas.
Eu não acho que isso seja uma coisa boa.